Temos uma tendência natural em crer que as coisas sempre foram como são. Ninguém imagina um Brasil onde praticar a fé seja proibido, no entanto, essa foi a realidade em um passado não muito distante. Já tivemos religião oficial em nossa Constituição e a prática de outras confissões era tão somente tolerada, sem autorização para caracterizar externamente os templos de cultos extraoficiais. Evidente que avançamos desde então.
Hoje temos a liberdade de cultuar a Deus, independentemente de autorização do governo, sem qualquer permissão legal para restrição de cultos públicos ou privados. Os templos de incontáveis credos se multiplicam. Vivemos tempos de ampla liberdade religiosa.
Pergunto-me se tamanha liberdade não será nosso calcanhar de Aquiles, o famoso ponto fraco do famoso herói da mitologia grega, visto que talvez estejamos mal acostumados com tempos difíceis que nem reconhecemos mais quando um se aproxima. Estamos sempre envolvidos com nossas agendas, trabalhando, produzindo, ocupados demais para prestar atenção em um singelo texto sobre liberdade religiosa.
Liberdade é exercício de vigilância
Conforme já foi dito, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Assim, a luta pela liberdade religiosa não é possível, mas necessária. Para perder a liberdade é muito simples, vide decretos ilegais em tempos de pandemia que restringiram a liberdade de muitos crentes em municípios brasileiros, ou até mesmo com decretos estaduais, chegando ao cúmulo de um culto caseiro ser interrompido e solicitado que se abstivessem da prática[1].
Não quero que você coloque a liberdade religiosa em uma pequena caixa de definição pré-concebida sobre o que é liberdade religiosa, que na maior parte das vezes é reduzida a algo insignificante e de menor importância[2].
Pelo contrário. Essa liberdade é o que permite sua livre manifestação nas redes sociais para fazer proselitismo de sua fé. É o que permite que acredites em algo além da matéria, no sobrenatural, no espiritual, ou que não acredites em nada, porque até mesmo a descrença é fé com sinal trocado, ou uma fé no “nada criador”, conforme diria o renomado jurista Ives Gandra Martins, ou seja, sem a liberdade religiosa, até mesmo os ateus poderiam ser obrigados a confessar uma religião oficial, por exemplo. Assim, conseguimos ter um pequeno vislumbre da relevância do assunto para nossa vida cotidiana.
Se você tem acompanhado a situação da liberdade religiosa em nosso país e acredita que não estamos em perigo, peço que preste um pouco mais de atenção aos acontecimentos. Para uma restrição total da liberdade religiosa, haverá centenas de pequenas restrições, para as quais não daremos a devida importância. No entanto, quando vistas em conjunto, podem nos assustar.
Não podemos relativizar a liberdade
Jamais relativize uma restrição à liberdade religiosa. Hoje, é um culto doméstico interrompido, e dizemos “tudo bem, foi só um culto doméstico”, amanhã uma igreja será fechada, e diremos “mas foi só uma igrejinha sem importância em um município que desconheço”, na próxima, diremos que não é tão grave, afinal de contas fecharam um templo de outra confissão de fé (uma sinagoga, um terreiro, uma mesquita, etc.). Se você se identifica nessas linhas, cuidado! Não espere ser atingido pela restrição à sua liberdade para finalmente concluir que a situação é grave. Se isso ocorrer, espero que não seja tarde demais.
Nossa luta pela liberdade religiosa é um dever que se impõe a todo crente, independente da confissão ou credo religioso. Nossa luta deve ser perene e incansável. Que aqueles que querem restringir nossa liberdade religiosa, conquistada às duras penas, não tenham sossego, tamanho seja o obstáculo imposto a eles.
Finalmente, concluo que para encampar essa luta a igreja deve estar organizada enquanto pessoa jurídica de direito privado, mas deixo esse tema para outra oportunidade. Por hora, cumpre alertar os caros leitores para a relevância dessa luta e a urgência de nossa vigilância.
Notas:
[1] Notícia disponível em: https://guiame.com.br/gospel/noticias/familia-tem-culto-domestico-interrompido-pela-policia-em-santa-catarina.html. Acesso em 13 de out. 2020.
[2] Para melhor compreensão sobre o tema liberdade religiosa, recomendo a leitura do capítulo 1, seção 3, do livro Direito Religioso: Questões práticas e teóricas, 3ª Edição, Vida Nova, 2020, de autoria do Dr. Thiago Rafael Vieira e Dr. Jean Marques Regina.