Ensino Religioso e Estado Laico

Afinal, estudos de religião devem constar do currículo de uma escola pública?

Um dos maiores desafios na concretização de valores é vermos, para além do mero discurso, sua aplicabilidade prática. No caso da liberdade religiosa, a Constituição de 1988 reconheceu como sendo a primus inter pares das demais liberdades. Isto é, não se pode falar em liberdade econômica, política, ou mesmo de expressão em sua plenitude, se não houver liberdade para crer. E isto também aponta para um espaço da religião na esfera pública em nossa sociedade.

Outra coisa sempre importante de repisarmos é o modelo brasileiro de laicidade, que optou por se relacionar de maneira muito amigavelmente com a fé. O art. 19, I, do texto constitucional afirma que, mesmo não estabelecendo um culto oficial ou criando relações de dependência ou aliança com qualquer religião, tampouco pode embaraçar o desenvolvimento da fé no Brasil. Isto significa dizer, em outras palavras, que o Estado está absolutamente proibido de criar dificuldades para o exercício livre, pleno da expressão de fé.

E, por fim, o texto ainda diz que, mesmo havendo distinções entre Igreja e Estado, ambos podem colaborar pelo bem comum, ou interesse público.

Porém há uma enorme confusão quando se pensa sobre o lugar do Ensino Religioso no contexto da escola pública. Será que ministrar aulas de religião no sistema público de ensino fere o princípio do Estado laico?

A lente constitucional para o ensino religioso

Talvez a grande dificuldade seja, justamente, em entender o modelo brasileiro de laicidade. Ou se pensa em um tipo aproximado ao americano – onde há uma chamada “laicidade simpliciter“, onde Igreja e Estado estão absolutamente separados; ou no modelo francês, que exerce um laicismo, relegando o exercício da fé apenas em sua dimensão privada.

Mesmo não sendo esta a opção brasileira, por vezes é assim, mais ou menos restritivo, que se quer ver o tratamento dado ao ensino religioso por várias vozes em nosso país. Tanto é que o assunto – sobre o caráter, a natureza do ensino, chegou a ser alvo de um julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. Pela decisão na ADI (Ação Direta e Inconstitucionalidade) nº 4439, pelo apertado placar de 6 x 5, os ministros entenderam que o ensino religioso pode assumir o caráter confessional, ou seja, estar vinculado ao contexto religioso da comunidade onde a escola está inserida.

Neste caso a batalha era que, no entendimento da Procuradoria-Geral da União, o entendimento ao conceito de “Estado laico” fosse alcançado sob o pensamento francês. Assim, seria papel da escola pública apenas fornecer um panorama histórico e uma visita ao arcabouçou doutrinário das diversas manifestações religiosas, sem, no entanto, aprofundar eventual confissão que representa o conjunto cultural que informa os valores da civilização ocidental, e, mais propriamente, da nação brasileira.

A Corte, porém, acolheu o entendimento de que a laicidade brasileira está fundamentada em argumentos e evolução histórica diversa da francesa. Para a nação, a religião ocupa posição indissociável na construção da própria democracia, sendo impossível cogitar que, na formação cidadã das crianças e adolescentes, não haja a oportunidade de apresentar o sistema de crenças, e a próprio espiritualidade como dimensão da vida humana.

Diversidade Religiosa x Liberdade Religiosa

A partir deste entendimento, ficou consolidado o papel do ensino público também oportunizando a exposição dos alunos ao conteúdo religioso. Isto na prática quer dizer que, mesmo sendo de matrícula facultativa (os responsáveis) pelos alunos podem não concordar com a frequência às aulas de ensino religioso – está assegurado este direito. Isto mostra a relevância, na esfera pública, da liberdade religiosa como verdadeira ferramenta e arma da democracia.

É absolutamente necessário que se olhe atentamente ao espaço de liberdade de nossa atual geração, e que seja ocupado. Já que o interesse público é sinônimo de bem comum na esfera imanente, material, sendo esta a vocação do Estado, deve também a Igreja colaborar com seu olhar transcendente, espiritual, para o florescimento humano e da sociedade como um todo.

A diversidade religiosa somente acontece em um ambiente de liberdade, nunca o contrário, especialmente em se tratando da religião na esfera pública. Como direito humano fundamental que é, nossa responsabilidade enquanto pessoas de fé e cidadãos conscientes é lutarmos para que haja respeito pela dimensão espiritual da vida da pessoa humana. Diz a Constituição:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

(Constituição da República Federativa do Brasil)

Isto quer dizer que a educação brasileira deve levar em conta a possibilidade de que seus cidadãos-em-formação se preparem para viverem na arena pública de acordo com os pressupostos de sua fé! Não apenas uma liberdade religiosa litúrgica, mas de uma fé que move pessoas no exercício das variadas vocações da sociedade.

A escola como lugar de desenvolvimento humano

A Constituição, do início ao fim, protege a religião na esfera pública. Ela ainda entroniza o fenômeno religioso como um dos fatos sociais mais importantes da vida. Como decorrência lógica, é natural que este fato seja levado também às crianças, que estão iniciando sua caminhada em sociedade. Elas precisam entender que a fé existe e é presente – inclusive para os ateus: também estes vão usar a “fé” para crerem que Deus não existe!

Por fim, voltamos a dizer: o ensino é responsabilidade da escola; a educação (em especial a moral e religiosa) é função primordial da família. O ensino religioso será sempre de matrícula facultativa, respeitando as peculiaridades locais.

Lembrem-se: ensino religioso não é uma questão de privilégios; mas é um direito na concretização da cidadania! Aproveitem para conferir nosso vídeo sobre este tema importante:

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