“Sem fronteiras, sem lei e ordem e sem religião, você não tem um país.” (Donald Trump, 2025)
A cena foi simbólica: num estádio lotado, durante o funeral de Charlie Kirk, Donald Trump usou uma linguagem que lembrava mais um sermão do que um discurso político. Falou em reavivamento espiritual, em trazer Deus de volta à América, em restaurar pilares que dão identidade a uma nação. Poucos dias depois, no púlpito global da ONU, a mesma retórica ressurgiu: “Precisamos não apenas de um realinhamento político, mas de um reavivamento espiritual”. A mensagem é clara: sem religião, a democracia ocidental perde sua alma.
Essa intuição não é nova. Alexis de Tocqueville, em A Democracia na América, já percebia que o cristianismo moldava não apenas consciências individuais, mas também a ordem política. Para ele, a religião fornecia o cimento moral sem o qual a democracia se dissolveria em tirania da maioria ou em atomização individualista. O que Trump articula com frases de efeito é, em essência, a mesma constatação tocquevilliana: instituições políticas precisam da fé como garantia de virtude pública.
No Brasil, a Constituição de 1988 oferece um modelo que dialoga com essa percepção: a laicidade colaborativa. Ela estabelece separação institucional entre Igreja e Estado, mas reconhece que a fé pode e o Estado deve garantir sua atuação na esfera pública – a bússola moral continua viva.
A política, por si só, não consegue oferecer sentido de vida. Leis organizam, mas não dão propósito. Programas de governo distribuem benefícios, mas não criam vínculos
Garante liberdade de culto, ensino e proselitismo, mas também assegura que o Estado não seja hostil à religião. Pelo contrário, prevê benevolência, cooperação e igual consideração entre credos. É o equilíbrio que permite a voz religiosa sem que esta seja capturada ou transformada em monopólio político.
Quando Trump diz “queremos a religião de volta à América”, não está propondo teocracia, mas sublinhando algo que o Ocidente esqueceu: que lei e fronteiras sem um fundamento moral partilhado são frágeis. A fé funciona como reserva de sentido, capaz de manter viva a ideia de bem comum.
Nesse ponto, o Brasil pode oferecer lição ao mundo. Aqui, a religião participa da praça pública, seja em programas sociais em parceria com o Estado, seja na defesa de valores nas arenas legislativas, sem que isso comprometa a laicidade.
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É evidente que há riscos: instrumentalizar o sagrado como mero slogan ou confundir liturgia com palanque. Mas o caminho correto não é silenciar a fé. É preservá-la em sua liberdade plena, como fonte de valores que animam a vida pública. Tocqueville dizia que “a religião deve ser considerada a primeira das instituições políticas”, porque fornece aos cidadãos a noção de limites e deveres. A laicidade colaborativa brasileira, quando bem compreendida, faz eco a essa lição. Eis aqui cinco pontos que pensamos destacar:
Primeiro, é preciso reconhecer que a linguagem religiosa, quando levada ao espaço público, não deve ser vista como ameaça, mas como tradução cultural de convicções profundas. Tocqueville observava que os norte-americanos conseguiam conciliar fé e democracia porque não tentavam apagar a religião da vida pública; ao contrário, entendiam-na como fonte de virtudes que limitavam os excessos da liberdade. O Brasil, com seu caldo histórico de religiosidade popular e diversidade de credos, pode trilhar o mesmo caminho.
Segundo, a defesa da liberdade religiosa feita por Trump ecoa o que temos sustentado há anos: não há democracia viva sem a garantia do núcleo essencial da fé. O direito de pregar, ensinar e cultuar não é privilégio corporativo, mas fundamento para que cada cidadão viva de acordo com sua consciência. Quando esse espaço é cerceado, não apenas os crentes perdem, mas toda a sociedade perde sua vitalidade moral.
Terceiro, o chamado de Trump a um “reavivamento espiritual” pode soar ousado para ouvidos seculares, mas responde a uma necessidade real: a política, por si só, não consegue oferecer sentido de vida. Leis organizam, mas não dão propósito. Programas de governo distribuem benefícios, mas não criam vínculos. É a religião que oferece uma narrativa transcendente capaz de sustentar coesão social. Tocqueville já havia notado isso ao afirmar que a religião dava ao povo americano um horizonte comum de deveres e esperanças.
O Brasil, ao reconhecer constitucionalmente a colaboração entre fé e Estado, tem a oportunidade de mostrar que é possível viver em uma república laica, mas não laicista; aberta à pluralidade, mas não hostil à fé
Quarto, a laicidade colaborativa brasileira é antídoto contra dois extremos igualmente nocivos: o da hostilidade, que tenta expulsar a fé do espaço público; e o do aparelhamento, que confunde o Estado com a Igreja. Entre esses polos, a Constituição de 1988 construiu um caminho maduro, em que vozes religiosas podem contribuir para o bem comum sem impor monopólio. Esse modelo precisa ser valorizado, sobretudo quando o mundo inteiro debate como conciliar diversidade cultural e unidade política.
Por fim, vale destacar que a retórica de Trump revela um ponto decisivo para o Ocidente: sem religião, a democracia se torna burocrática; com religião livre, ela se torna vibrante. O Brasil, ao reconhecer constitucionalmente a colaboração entre fé e Estado, tem a oportunidade de mostrar que é possível viver em uma república laica, mas não laicista; aberta à pluralidade, mas não hostil à fé. Esse é o testemunho que nossa nação pode oferecer: uma laicidade que não teme Deus, mas que sabe que a liberdade religiosa é o melhor termômetro da saúde democrática.
Trump talvez não cite Tocqueville, mas sua retórica aponta na mesma direção: sem Deus, a democracia perde o chão. E se os Estados Unidos vivem hoje um chamado ao “reavivamento espiritual”, o Brasil tem a chance de mostrar ao mundo que é possível conviver com fé e liberdade, com púlpitos fortes e parlamentos livres, sem que um anule o outro. Essa é a maturidade democrática que nossa Constituição propõe – e que precisamos defender.
