O Supremo Tribunal Federal (STF) terminou de julgar, nesta semana, mais um pedido para remoção de símbolos religiosos – notadamente os crucifixos – de prédios públicos. Por unanimidade, foi declarada a constitucionalidade da presença das imagens, na perspectiva de que representam a tradição histórica e cultural da sociedade brasileira.
A decisão, como era de se esperar, gerou debates por todo o país, atraindo posições contrárias e favoráveis. Afinal, o “Estado não é laico”?
O primeiro passo importante a se lembrar é que, a despeito do argumento que não tem “força normativa”, o preâmbulo constitucional (que é o testamento político nacional, a recomendação daquilo que se vai constituir) é feito “sob a proteção de Deus”. Aqui já se mostra o efeito da sociedade política em sua dimensão pura ao dar a diretriz para o ordenamento jurídico.
Ao reconhecer símbolos que fazem parte da história e cultura nacionais, o Estado promove a inclusão e o sentimento de pertencimento dos cidadãos, fortalecendo a coesão social
Já no texto normativo, em seu artigo 1.º, inciso III, estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse princípio assegura o respeito às convicções individuais, incluindo as religiosas, reconhecendo a importância da espiritualidade na formação da identidade pessoal e coletiva.
Ao permitir a exposição de símbolos religiosos que refletem a herança cultural do país, o Estado valoriza essa dimensão, sem impor uma crença específica, mas reconhecendo a diversidade de manifestações que compõem o tecido social brasileiro.
A cidadania, fundamento do Estado brasileiro (conforme o artigo 1.º, inciso II), pressupõe a participação ativa dos indivíduos na vida pública e o respeito aos direitos e deveres de cada um. Ao reconhecer símbolos que fazem parte da história e cultura nacionais, o Estado promove a inclusão e o sentimento de pertencimento dos cidadãos, fortalecendo a coesão social.
É crucial, entretanto, que essa prática seja conduzida de maneira a não alienar ou excluir aqueles que professam diferentes crenças ou que não possuem afiliação religiosa, garantindo que todos se sintam representados e respeitados.
O pluralismo político, previsto no artigo 1.º, inciso V, da Constituição, implica o reconhecimento e a convivência harmoniosa de diferentes ideologias, culturas e religiões. A presença de símbolos religiosos em espaços públicos, quando contextualizada como expressão cultural, não contraria esse princípio. Pelo contrário, pode servir como um lembrete da pluralidade que caracteriza a nação, desde que haja abertura para a representação de diversas tradições e que nenhuma delas seja privilegiada em detrimento das demais.
A laicidade do Estado brasileiro não exige uma separação absoluta entre o poder público e as manifestações religiosas, mas sim uma postura de neutralidade e imparcialidade. Isso permite a colaboração com instituições religiosas em prol do interesse público, conforme ressalvado no artigo 19, inciso I, da Constituição. Essa colaboração deve ser conduzida com benevolência e espírito de cooperação, reconhecendo a contribuição das diversas tradições religiosas para o desenvolvimento social e cultural do país.
Ou seja, a presença de símbolos religiosos em prédios públicos, quando refletindo a tradição cultural da sociedade brasileira, é absolutamente compatível com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, pluralismo e cidadania.
Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
Jean Marques Regina é mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie), pós-graduado em Liberdade Religiosa (Mackenzie com estudos em Oxford e Coimbra) e Teologia (Ulbra), advogado de milhares de igrejas no Brasil e coautor, com Thiago Rafael Vieira, das obras “Direito Religioso: questões práticas e teóricas” e “A Laicidade Colaborativa Brasileira”, entre outras. É Advogado Aliado da Alliance Defending Freedom International, maior entidade de juristas cristãos do mundo, conselheiro brasileiro do Acton Institute (EUA) e 1.º vice-presidente de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR).**Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
Thiago Rafael Vieira é mestre e doutorando em Direito Político e Econômico (Mackenzie), pós-graduado em Direito do Estado (UFGRS), Liberdade Religiosa (Mackenzie com estudos em Oxford e Coimbra) e Teologia (Ulbra), advogado de milhares de igrejas no Brasil e coautor, com Jean M. Regina, das obras “Direito Religioso: questões práticas e teóricas” e “A Laicidade Colaborativa Brasileira”, entre outras. É Advogado Aliado da Alliance Defending Freedom International, maior entidade de juristas cristãos do mundo, e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR). **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.