Liberdade religiosa, pilar da existência e da convivência

Na semana que passou, o IBDR foi uma das entidades ouvidas pelo relator especial para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos, Pedro Vaca Villareal. Ele esteve em visita ao Brasil para uma série de audiências e para fazer um relatório à OEA sobre o status da violação aos direitos humanos, especialmente à liberdade de expressão, em nosso país. Coube ao IBDR apontar violações à liberdade religiosa. A audiência pode ser assistida (em inglês) aqui, mas hoje gostaríamos de apresentar ao leitor um pequeno resumo.

A liberdade religiosa sempre foi um termômetro para medir a saúde das democracias. Quando governos começam a intervir no que os líderes religiosos podem ou não pregar, outros direitos fundamentais rapidamente seguem o mesmo destino. No Brasil, assistimos a uma escalada preocupante de repressão à expressão religiosa sob a justificativa de coibir discursos de ódio, mas que, na prática, tem se traduzido na perseguição de crenças milenares. Desde 2019, e com intensidade crescente a partir de 2023, tem-se observado um clima autoritário que busca limitar a participação da religião no espaço público.

O crescimento da presença de líderes religiosos no debate político, especialmente aqueles identificados com setores conservadores, gerou uma reação institucional que coloca em risco um dos pilares da democracia: a liberdade de crença e de expressão. Dois episódios recentes exemplificam esse avanço estatal sobre a religião.

 

Assistimos a uma escalada preocupante de repressão à expressão religiosa sob a justificativa de coibir discursos de ódio, mas que, na prática, tem se traduzido na perseguição de crenças milenares

 
 

O primeiro envolve o padre Antônio Carlos dos Santos, que em abril de 2023, durante um sermão no Colégio Nossa Senhora das Dores, em Nova Friburgo (RJ), pregou sobre a tradição cristã em relação à família e alertou contra influências que poderiam desestabilizar essa instituição, incluindo as uniões homoafetivas. A resposta do Ministério Público do Rio de Janeiro foi imediata: enquadrou sua pregação como discurso de ódio e ajuizou tanto uma ação criminal quanto civil contra ele, exigindo uma indenização de R$ 50 mil da Diocese de Nova Friburgo, alegando danos morais a um casal homoafetivo presente no local.

O segundo caso envolve o pastor Jackson Jacques Junges, de Porto Alegre, denunciado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul por publicar, em suas redes sociais, mensagens baseadas em passagens bíblicas que reafirmavam princípios cristãos sobre família e moralidade. Suas postagens foram enquadradas como homofobia com base na decisão do Supremo Tribunal Federal na ADO 26, que equiparou a homofobia ao racismo.

Ambos os casos demonstram uma tendência perigosa de criminalização da teologia cristã, colocando o Estado em uma posição de regulador da doutrina religiosa, algo impensável em uma democracia.

 

A perseguição judicial contra líderes religiosos segue um padrão preocupante: criminaliza ensinamentos religiosos que existem há milênios, defendidos por católicos, protestantes e ortodoxos; utiliza leis de discurso de ódio para silenciar o debate teológico, em vez de protegê-lo contra violência ou incitação ao crime; ignora as garantias constitucionais de liberdade religiosa e de expressão, previstas na Constituição Federal e em tratados internacionais assinados pelo Brasil; revela um clima autoritário crescente, no qual líderes religiosos são processados não por incentivarem a violência, mas simplesmente por expressarem sua fé.

Na história, um dos primeiros sinais de regimes autoritários sempre foi a restrição da liberdade religiosa. Governos que começam a definir quais mensagens religiosas são aceitáveis ou não caminham rapidamente para reprimir outros direitos fundamentais. O que está em jogo aqui não é apenas a fé desses líderes, mas a própria capacidade de uma sociedade livre debater, discordar e viver de acordo com suas convicções.

 

Se permitirmos que o Estado defina quais doutrinas religiosas são aceitáveis, assistiremos ao lento e certo declínio da liberdade

 

A questão central não é se se concorda ou não com a visão desses líderes religiosos, mas sim: o Estado pode ditar como textos sagrados devem ser interpretados? Líderes religiosos podem ser processados apenas por pregarem sua fé? Se a expressão religiosa for censurada hoje, quais outras liberdades serão atingidas amanhã? O governo pode impor uma visão ideológica a toda a sociedade e suprimir o que há de mais sagrado na vida de uma pessoa: sua fé?

 

Nos casos do padre Antônio Carlos e do pastor Jackson Jacques Junges não houve incitação à violência, à exclusão ou à discriminação. Ambos apenas ensinaram doutrinas teológicas defendidas por suas tradições religiosas há séculos. A tentativa de criminalizar essa expressão fere não apenas a liberdade religiosa, mas o próprio conceito de democracia. Se permitirmos que o Estado defina quais doutrinas religiosas são aceitáveis, assistiremos ao lento e certo declínio da liberdade. Uma democracia que não protege a expressão religiosa não é democracia.

Não se trata apenas de uma luta por líderes religiosos, mas pela própria sobrevivência de uma sociedade livre. O sistema legal brasileiro deve proteger, não suprimir, o direito à fé, sobretudo quando essa supressão é motivada por razões políticas. O Brasil precisa reafirmar que a liberdade religiosa não é um favor concedido pelo Estado, mas um direito fundamental inegociável. Caso contrário, estaremos abrindo um precedente perigoso que pode se voltar contra qualquer segmento da sociedade no futuro. A história mostra que, quando a fé é silenciada, todas as demais liberdades desmoronam em seguida.

 

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos

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