Há fatos que ultrapassam a esfera institucional e se tornam marcos simbólicos. O reconhecimento internacional concedido ao Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) pela Organização das Nações Unidas é um desses momentos. A partir de agora, a instituição brasileira passa a integrar o seleto grupo de organizações com status consultivo especial junto ao Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc), condição que lhe garante assento oficial nos debates multilaterais, possibilidade de apresentar pareceres técnicos e participação direta nos fóruns deliberativos sobre direitos humanos, democracia e desenvolvimento.
O status de “Entidade Consultiva Especial” é uma chancela conferida a pouquíssimas entidades em todo o mundo, após criteriosa avaliação da relevância, seriedade e impacto social de sua atuação, além de análise da seriedade de suas entradas e saídas e processo interno de transparência com a gestão dos valores que recebe e como os utiliza. No caso do IBDR, o selo representa o reconhecimento de anos de trabalho dedicado à promoção da liberdade religiosa, à defesa da liberdade de crença e à consolidação de um modelo brasileiro de laicidade colaborativa, que equilibra separação institucional e abertura à presença construtiva da fé no espaço público, além da retomada do estudo do Direito Natural e sua importância para o direito e, especialmente, para o bem comum.
O Brasil desenvolveu, ao longo de sua história, um sistema de relação entre Estado e religiões singular, marcado por tensões, mas também por avanços notáveis. Não somos uma nação que ergue muros intransponíveis entre o sagrado e o profano, tampouco uma república confessional. Nosso pacto constitucional buscou algo mais sofisticado: preservar a autonomia das organizações religiosas e, ao mesmo tempo, permitir a colaboração com o Estado em áreas de interesse comum, como educação, assistência social e promoção da paz. É esse modelo – ainda incompreendido por muitos que sonham com o laicismo francês – que agora ganha projeção internacional pela voz do IBDR.
A liberdade religiosa não pode ser reduzida a um direito subjetivo de foro íntimo. Ela é, antes de tudo, um pilar estruturante da ordem social democrática
O novo status na ONU abre portas. De agora em diante, a instituição poderá levar ao debate global pareceres técnicos, relatórios e estudos jurídicos produzidos a partir da experiência brasileira. Em um cenário mundial em que a liberdade religiosa é constantemente pressionada – ora por regimes autoritários que a restringem em nome da segurança do Estado, ora por democracias frágeis que a relegam ao campo estritamente privado –, a presença de uma entidade que defende a laicidade colaborativa é um sopro de equilíbrio.
O IBDR tem insistido, com razão, que a liberdade religiosa não pode ser reduzida a um direito subjetivo de foro íntimo. Ela é, antes de tudo, um pilar estruturante da ordem social democrática. Onde a fé é livre para se expressar publicamente, florescem também o pluralismo, a convivência pacífica e o senso de comunidade. Onde a fé é reprimida, prosperam a intolerância, o sectarismo e a violência política. Essa constatação não é apenas doutrinária; é histórica. Dos conflitos que devastaram a Europa no século 17 às perseguições religiosas que ainda hoje ocorrem em partes da Ásia e da África, a lição é clara: sem liberdade religiosa, a dignidade humana perde solo para se enraizar.
Por isso, o ingresso do IBDR no circuito multilateral tem uma importância que transcende fronteiras. Em tempos de polarização política e de tentativas de instrumentalização da fé – seja para transformá-la em bandeira ideológica, seja para confiná-la ao silêncio das sacristias –, afirmar a liberdade religiosa como direito humano universal é lembrar que a democracia só se sustenta quando reconhece a pluralidade de convicções. A experiência brasileira, com toda a sua complexidade, diversidade e vitalidade confessional, tem muito a dizer ao mundo sobre esse ponto.
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A nota oficial do instituto é precisa ao afirmar que a fé, em todas as suas manifestações, é fonte de sentido, de comunhão e de serviço ao bem comum. Traduzindo em termos políticos: não se trata apenas de proteger um direito individual, mas de preservar uma estrutura essencial à própria ordem democrática. A laicidade colaborativa brasileira, que reconhece a separação entre Igreja e Estado, mas não a hostilidade entre ambos, pode servir de modelo a outras sociedades em busca de equilíbrio.
Em última análise, o que o IBDR leva ao Ecosoc/ONU é mais do que relatórios ou recomendações técnicas. É um testemunho histórico: o de que a liberdade religiosa, longe de ser ameaça, é garantia. Longe de dividir, é o que assegura que as diferenças possam conviver. Longe de fragilizar a democracia, é o que a torna mais robusta.
O mundo, marcado por conflitos ideológicos e culturais, precisa ouvir essa mensagem. E o Brasil, com toda a sua pluralidade, pode oferecê-la. A entrada do IBDR junto ao Conselho Econômico e Social da ONU é, portanto, mais do que uma conquista institucional; é um chamado: para que a liberdade religiosa deixe de ser tratada como privilégio ou concessão e volte a ser reconhecida como fundamento indispensável de uma sociedade justa, pacífica e verdadeiramente democrática.
