Em Porto Alegre, um exemplo de colaboração entre Estado e religiões pelo bem comum

Foto: Gabriel Ribeiro/CMPA / Direitos autorais: Gabriel Ribeiro/CMPA

Texto publicado orginalmente na Gazeta do Povo

O Brasil busca, há tempos, construir uma identidade. Gostamos de ter uma visão romântica a respeito de nós mesmos: adoramos futebol, carnaval, somos gente de sorriso fácil e que, da mesma forma, evoca em qualquer lugar do mundo uma certa leveza quando se fala de nós. Isso tudo é muito bom e mostra como temos a ensinar ao mundo sobre diálogo e o que é essencial na vida. Temos relativamente pouco tempo de existência perto de Europa e Ásia enquanto países, e, por isso mesmo, uma grande capacidade (e legitimidade) para aportar novas ideias ou mesmo reforçar antigos pensamentos sobre a busca da felicidade, na esfera privada ou pública.

Ao mesmo tempo, nossa herança portuguesa é riquíssima em termos civilizatórios: foram-nos legados todos os valores que pavimentaram a estrada da modernidade e, por isso mesmo, nascidos politicamente em 1822, já o fizemos com um ambiente muito mais propício ao desenvolvimento do que nossos pais fundadores. Assim, ao trazermos estas ideias da Península Ibérica, também importamos o pensamento doutrinário sobre outro elemento em ebulição: a laicidade colaborativa. Esta herança temos, em termos jurídico-constitucionais, tanto de portugueses como de espanhóis, mestres consagrados na convivência de pluralidade religiosa desde o século 7.º, com a diversidade ali instalada.

Cabe ao Estado um papel de protagonismo na proteção da liberdade religiosa, uma vez que é indispensável para a satisfação da dignidade humana, em comum acordo com a laicidade colaborativa brasileira

O Iluminismo francês tentou dar outra abordagem para a laicidade, em sua visão negativa da religião. Para eles, a manifestação religiosa deve ser apenas privada, não “contaminando” o espaço público, que deveria ser, assim, laico (objetivando significar nesta palavra algo como “imune a” ou “livre de” religião, como que de um vírus ou bactéria). Aqui, porém, esta ideia somente fez eco na cabeça dos que adotaram o pacote completo do Iluminismo por meio de uma de suas doutrinas decorrentes: o positivismo. Como esta doutrina se infiltrou nos círculos republicanos brasileiros a partir de 1870, culminando com o golpe de Estado que destronou dom Pedro II em 1889, acabou também por convencer parte da “elite” em ascensão.

As décadas seguintes, porém, mostraram que a sociedade e alguns “iluminados” andavam em lados diferentes. Os tempos pós-guerra consolidaram no Brasil um olhar amistoso para com a religião, muito pela influência de – vejam a ironia! – um francês: o filósofo católico Jacques Maritain, com seu O Homem e o Estado – responsável direto pelo capítulo da liberdade religiosa na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 –, deitou profundas impressões nos brasileiros que iriam tecer as Constituições futuras, até chegar à Cidadã.

Assim avançamos, chegando ao conceito de laicidade cooperativa (da Europa) ou colaborativa (do Brasil), ao formular seus fundamentos em quatro itens comuns aos dois lados do Atlântico e um específico da nossa experiência: 1. separação de poder religioso e político; 2. liberdade de ação; 3. benevolência do Estado para a religião; e 4. colaboração entre poderes público e religioso. O número 5 está descrito em nosso A Laicidade Colaborativa Brasileira: da aurora da civilização à constituição brasileira de 1988. A Constituição Brasileira de 1988 consagra a liberdade religiosa como um direito fundamental capaz de assegurar a todos os cidadãos o livre exercício de suas crenças e o direito de manifestá-las, individual ou coletivamente, em público ou no privado. Cabe ao Estado um papel de protagonismo na proteção deste direito, uma vez que é indispensável para a satisfação da dignidade humana, em comum acordo com a laicidade colaborativa brasileira.

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Porém, para esta liberdade fundamental não ficar apenas no papel (como tantas outras por aí atualmente), há a necessidade de um exercício, e isso passa tanto pelos cidadãos quanto pelo Estado. Neste intuito, louvamos aqui uma iniciativa do vereador porto-alegrense Tiago Albrecht (Novo), que está lançando, na Câmara Municipal da capital do Rio Grande do Sul, a Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade Religiosa e do Estado Laico. A iniciativa tem como objetivo promover a discussão sobre a importância da liberdade religiosa e da relação entre religião e Estado, assegurando que a liberdade de crença seja respeitada pelo poder público e os espaços de atuação, por ele garantidos. A primeira temática da Frente terá como assunto a “Laicidade Colaborativa”, contando com estes colunistas na qualidade de palestrante e preletor.

A Frente Parlamentar – que ainda tem como vice-presidente a vereadora Tanise Sabino (PTB) e será lançada no dia 18, às 10 horas, no Plenário Ana Terra, da Câmara de Vereadores de Porto Alegre – objetiva aderir a uma tendência do nosso ordenamento pátrio, sendo o parlamento legítimo para promover a liberdade religiosa e de crença em todas as esferas da República Federativa do Brasil. Todos são convidados a participar e contribuir para esta importante causa, que visa garantir o respeito e a valorização de todas as crenças no país.

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