A liberdade de expressão não é apenas um direito individual — é a argamassa da democracia. É ela que sustenta o debate público, permite o confronto de ideias, garante a pluralidade e protege as vozes dissonantes em meio à pressão do consenso. Em tempos de crescente polarização, eventos como a 6ª Jornada Virtual de Estudos em Direito e Religião do IBDR tornam-se indispensáveis. Mais que encontros acadêmicos, essas jornadas são trincheiras de lucidez, onde se resgatam os fundamentos do Estado de Direito e se denunciam, com coragem e técnica, as ameaças que pairam sobre as liberdades fundamentais.
A recente tentativa de silenciar o professor Ives Gandra da Silva Martins, um dos mais respeitados juristas do país, é um triste exemplo da erosão da liberdade de expressão e de todo o seu plexo de direitos (acadêmica, opinião, artística, imprensa etc.). O fato de alguém com uma trajetória tão ilibada — consultor da Constituição brasileira de 1988, autor de centenas de obras, defensor do Estado de Direito — ser alvo de um processo na OAB por expressar interpretações constitucionais há décadas debatidas no meio jurídico escancara o risco que corremos: o de permitir que a divergência técnica seja confundida com delito de opinião.
A carta aberta abaixo não é apenas uma defesa de um homem. É uma defesa da liberdade de expressão como pilar civilizacional. É por isso que jornadas como a realizada nos dias 21 e 22 de maio pelo IBDR são tão urgentes: para educar, esclarecer, mobilizar e proteger aquilo que nos faz verdadeiramente livres — o direito de pensar, falar e ensinar sem medo.
Carta aberta em defesa de Ives Gandra da Silva Martins
Recebemos com perplexidade a notícia de que o professor doutor Ives Gandra da Silva Martins está sendo alvo de um processo na OAB, com acusações que insinuam, direta ou indiretamente, alguma afronta à Constituição de 1988 e ao Estado Democrático de Direito — justamente a Constituição para cuja elaboração ele foi um dos notáveis consultores.
Trata-se de um dos maiores juristas do nosso tempo. Com mais de 200 obras publicadas, diversos títulos de doutorado — inclusive honoris causa por universidades do Brasil e do exterior —, o Dr. Ives é uma referência não apenas no Direito, mas na ética e no compromisso com a democracia. Condecorado nas mais diversas instituições públicas e privadas, no Brasil e fora dele, presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO-SP, presidente de honra do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), integra mais de 30 academias — das quais a maioria presidiu —, professor emérito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é um exemplo de ética e serviço à pátria na busca pelo bem comum.
A ideia de associá-lo a qualquer movimento antidemocrático, como um “golpe”, é absolutamente descabida. Dr. Ives comenta a Constituição brasileira de 1988 desde que ela foi promulgada, sempre com base técnica, serenidade e compromisso com o Estado de Direito. O artigo 142, cuja interpretação tem causado controvérsia, é objeto de análise dele e de outros constitucionalistas há décadas, inclusive em conjunto com o falecido jurista Celso Ribeiro Bastos. Nunca é demais destacar que, de qualquer forma, divergência interpretativa não é crime — é sinal de vitalidade democrática.
Transformar o debate jurídico em perseguição pessoal, ainda mais contra alguém com 90 anos de vida dedicados à causa da Justiça, do Bem e da Verdade, não apenas enfraquece as liberdades de expressão, opinião, acadêmica, de imprensa e a liberdade política no Brasil, como também ofende a própria história constitucional brasileira e a cidadania. O que está em jogo não é a opinião de um jurista, mas o direito de todo jurista, escritor e professor de ter opinião e voz na arena pública.
Estamos na expectativa de que tudo se resolva da melhor forma possível — com sobriedade, lucidez e respeito às trajetórias que ajudaram a edificar o próprio Estado Democrático de Direito que hoje se busca defender. Esperamos que ainda haja tempo para reconhecer a atrocidade que está sendo cometida contra o estimado mestre de todos nós, prof. Ives Gandra, pois a história, com o distanciamento dos ânimos e a frieza dos fatos, tende a ser mais severa com injustiças assim. E será duro constatar, no futuro, que silenciaram a voz de um sábio quando deveriam tê-la escutado com reverência.
Apoiam a carta: Antônio Cabrera, Alex Catharino, Marcel A. Marques Elias, Éber Marcelo Bündchen, Joás Dias, Warton Hertz de Oliveira, Silvana Neckel, Zenóbio Mendonça da Fonseca Jr., Cândido Alexandrino, Roberto Tambelini, Jeová Barros de Almeida Júnior, Leonardo Gomes Girundi, Marco Vinicius P. de Carvalho, Natammy Bonissoni Gomes, Gianna O. Campos, Julie Ana Fernandes da Costa, Rafael Durand Couto, Lígia Alcântara, Jonathan de Alcântara F. Nascimento, Márcio Vinícius Santos Neves, Dilsilei Martins Monteiro, Arthur de Souza Casemiro da Silva, Ezequiel Sousa Silveira, Ronaldo Meira de Melo, Danielle Gonçalves Maria Leão Gomes, Danilo Rodrigues Brito, Leonardo Lima, Mateus Guarnieri do Amaral Rodrigues, Isaías Lobão Pereira Junior, Roberta Traple, João Vitor Figueiredo Lima, Isaías Diniz Nunes, Ronalde Ribeiro de Souza, Luana Cabral Frainer de Matos, Priscila Gonzalez Cuozzo, Sinomar Francisco dos Santos, Alessandra Nunes de Souza Moreno, Alexandre Lima de Almeida, Hudson Gilbert de Oliveira, Natália Hein Winsch, Jair Lima, Adriana Memória de Andrade, Guilherme Henrique Tavares Diniz, Mário Borges Ferreira Braz, Ramon Fonseca Mendonça, Paulo Cesar da Silva, Willian Peres Bittencourte, Alexandro Oliveira, David Santos Souza, Reniel Conceição Trindade, Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo, Andrea Hoffmann Formiga, Alessandro Henrique Martins, Danilo de Almeida Martins, Bianca Cobucci Rosière, Sergio Renato de Mello, Gustavo A. Santos, Nelson Moraes Pereira Jr, Niédja de Oliveira Nascimento e Alzemeri Martins Ribeiro de Britto.
