Publicado originalmente na Gazeta do Povo
Um dos assuntos mais frequentes em nossa coluna é a liberdade religiosa. Falar de liberdade religiosa é falar de proteção ao fenômeno religioso; logo, é importantíssimo termos a compreensão exata do que é religião para a ciência do Direito, o que não é assim tão simples. Assim como na Teologia, onde a aproximação de um texto das Escrituras requer interpretação, sendo que há critérios para estabelecer um caminho seguro, no Direito também vemos estas nuances no (as vezes não muito) árduo trabalho de interpretar uma norma. O texto da lei é apenas um dos elementos, sendo que há também fontes diferentes para auxiliar na difícil tarefa de buscar exercitar, efetivar e aplicar a justiça.
Assim, os termos mudam de acordo com a ciência que os descreve. Nesse rápido texto, queremos lançar luz ao sentido jurídico do termo “religião”. A transcendência, que atinge cada pessoa, é parte do que chamamos “liberdade de crença”. Esta é, no Brasil, um direito absoluto (artigo 5.º, VI, primeira parte, da Constituição). Ninguém pode determinar em que eu ou você cremos. É um assunto de foro íntimo, e neste domínio apenas a nossa consciência determina as coisas. Por isso a Constituição afirma que se trata de liberdade inviolável.
As próximas gerações de cristãos dependerão do que fizermos hoje quanto à defesa dos fundamentos da nossa fé, também na arena pública
A situação muda quando saímos do foro interno e passamos a exercitar a crença no ambiente externo, seja individual ou coletivamente. Então surge a necessidade de uma conceituação do fenômeno religioso de forma mais ou menos objetiva para que, enquanto civilização, possamos perseguir as necessidades humanas fundamentais da maneira mais colaborativa e menos lesiva possível.
As fontes do direito (as leis, os julgados, a doutrina etc.) têm chegado ao consenso de que um fenômeno que mira a transcendência pode ser considerado uma “religião” se forem observados três elementos: o trinômio Divindade/Moralidade/Culto. Sempre haverá a necessidade de se encontrar uma relação do ser humano com o divino, a partir de ensinamentos morais, e que se expressará por meio de uma liturgia, o culto, individual ou coletivo.
E qual é o veículo para que o domínio interno (crença) possa ser exercitado por meio deste conjunto de elementos formadores da religião? Um direito fundamental com o nome de “liberdade de expressão”. Esta liberdade é um “meio” pelo qual expressamos, na liturgia do culto, da família ou do trabalho, o conjunto de valores morais ligados à revelação transcendental de Deus. Entender como este mecanismo funciona é imprescindível para que possamos também defender as nossas posições frente a hostilidades enormes que estamos enxergando, tanto ao analisar situações passadas quanto outras que se avizinham.
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Damos um exemplo externo e um do Brasil sobre a necessidade de vigilância com estes conceitos. O externo é o recente caso de Isabel Vaughan-Spruce, que foi presa na Inglaterra por estar fazendo orações silenciosas em frente a uma clínica de aborto. Neste caso, o simples fato de a mulher estar em frente ao lugar, com a cabeça baixa, em oração (ou seja, em uma expressão absolutamente discreta de suas crenças), foi o suficiente para que entendessem estar ela usando uma “linguagem de ódio”. Graças a Deus o veredito foi de inocente, mas seu caso mostra como os temas envolvendo a fé se tornarão cada vez mais controversos e sensíveis na sociedade secular e antirreligiosa.
No Brasil, tivemos o recente caso de uma mulher que fora homossexual e identificava-se como homem trans; após a conversão à fé cristã, abandonou tais posições. Anos mais tarde, candidatou-se à fila de adoção e teve sua habilitação negada por causa de suas crenças religiosas, que poderiam interferir na vida de seu filho ou filha no futuro. Também houve reversão da decisão neste caso, mostrando a sensibilidade do tema.
As próximas gerações de cristãos dependerão do que fizermos hoje quanto à defesa dos fundamentos da nossa fé, também na arena pública.
Thiago Rafael Vieira
Pós-graduado em Direito do Estado (UFGRS), Liberdade Religiosa (Mackenzie com estudos em Oxford e Coimbra) e Teologia (Ulbra), colunista de diversos blogs protestantes e articulistas em diversas revistas acadêmicas. Thiago também é advogado de milhares de igrejas no Brasil e Co-autor, com Jean M. Regina, da obra Direito Religioso: questões práticas e teóricas (1ª, 2ª e 3ª edição). Em 2019, foi um dos delegados do Brasil na Universidade de Brigham Young (Utah/EUA) no 26º Simpósio Anual de Direito Internacional e Religião, evento com mais de 60 países representados. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião – IBDR.
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Jean Marques Regina
Pós-graduado em Liberdade Religiosa (Mackenzie com estudos em Oxford e Coimbra) e Teologia (Ulbra), colunista de diversos blogs protestantes. Jean também é advogado de milhares de igrejas no Brasil e Co-autor, com Thiago Rafael Vieira, da obra Direito Religioso: questões práticas e teóricas (1ª, 2ª e 3ª edição). Advogado Aliado da Alliance Defending Freedom (EUA), maior entidade de juristas cristãos do mundo. Fellow Alumnus da Acton Institute (EUA). Co-autor com Thiago Rafael Vieira da obra Direito Religioso: questões práticas e teóricas (1ª, 2ª e 3ª edição). É 2º Vice-Presidente de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR).
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