A sobrevivência da democracia depende de freios nos “wokes”

Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina

Publicado originalmente na Gazeta do Povo

É irônico, talvez trágico, o que vivenciamos nos dias de hoje. Lutamos por uma democracia em que todos teriam voz no espaço público, mesmo grupos contramajoritários. E conseguimos. Todavia, tais grupos, depois de terem seu lugar ao sol garantido pela democracia, organizaram-se para se utilizarem das estruturas políticas e, assim, calarem e cancelarem aqueles que pensam diferente deles – e que são a maioria, aliás. O mais incrível é que, por meio do controle das mídias e dos algoritmos, eles estão conseguindo. Dentre as muitas esferas onde as maiorias estão sendo canceladas, podemos observar a religiosa.

Um princípio básico de qualquer Estado laico em qualquer lugar do planeta é a não interferência. O Estado laico nasceu nos Estados Unidos, em 1620, exatamente por isso (lembrem-se do Mayflowernós estivemos lá). Os ingleses puritanos e católicos estavam cansados da interferência da Igreja estatal inglesa e do próprio Estado, e se refugiaram na Nova Inglaterra, onde criaram o Estado laico moderno.

Mas os tiranos da vez entenderam, assim como Karl Marx ou os vikings, que a religião é a última barreira e a mais difícil de ser vencida, já dizia Mário Ferreira dos Santos. Assim, nos últimos anos, diversas tentativas têm sido feitas para cancelar a moralidade das religiões, especialmente as cristãs, em nome de uma ideologia “woke”. Importante lembrar que o núcleo duro de qualquer religião são seus valores morais. Eles dão o tom da paleta de cores da religião em si. A partir dos valores morais é que os fiéis se relacionam com a divindade e prestam culto a ela. Como se mata uma religião? Interferindo em seus valores morais e livros sagrados. Os tiranos woke acharam esse caminho.

Os grupos contramajoritários, depois de terem seu lugar ao sol garantido pela democracia, organizaram-se para se utilizarem das estruturas políticas e, assim, calarem e cancelarem aqueles que pensam diferente deles – e que são a maioria, aliás

Assim, ainterferência ilegal dos tiranos via aparelhamento estatal em questõesreligiosas é uma afronta ao Estado laico. Os EUA, para zelar pelo princípio danão interferência, por meio de sua Suprema Corte, estabeleceu o “teste Lemon”,no caso Lemon v. Kurtzman. Este teste consiste em três elementosprincipais, cada um dos quais desempenha um papel fundamental na avaliação daconstitucionalidade de uma lei ou ação governamental:

1. Propósitosecular: Esteprimeiro elemento requer que a ação do governo tenha um propósito secularlegítimo, ou seja, que não tenha como objetivo primordial promover, inibir ouembaraçar qualquer religião.

2. Efeito principal: O segundo elemento avalia se o principal efeito da ação governamental é promover, embaraçar ou inibir alguma religião. Para determinar isso, analisa-se o impacto da ação sobre a liberdade religiosa dos cidadãos. Se a ação do governo favorecer uma religião ou ideologia em detrimento de outras, ou se limitar a liberdade de crença dos indivíduos, isso configura uma violação do princípio da não interferência.

3. Nãofomentar excessivamente a religião:O terceiro elemento do “teste Lemon” proíbe que o governo se envolvaexcessivamente em questões religiosas, evitando um entrelaçamento significativoentre o Estado e as instituições religiosas. Isso significa que o governo nãodeve financiar diretamente atividades religiosas ou favorecer uma religiãoespecífica em detrimento de outras.

Evidentemente, o teste Lemon é direcionado à realidade norte-americana de um Estado laico tradicional, diferente do Brasil, onde existe uma laicidade colaborativa na qual Estado e religião podem andar juntos com ações colaborativas em prol do bem comum. Do teste Lemon, o que podemos aplicar ao Brasil é a ideia de não interferência, pois esta é o vetor de qualquer laicidade.

O respeito ao princípio da não interferência é crucial para preservar a laicidade do Estado e para promover a liberdade de crença e expressão religiosa para todos os cidadãos brasileiros. Se desejamos manter uma democracia verdadeira, é fundamental resistir aos tiranos woke e defender o respeito às diferenças de pensamento e crença, mesmo quando estas possam não parecer politicamente corretas. Isso implica combater os cancelamentos e assegurar a proteção dos direitos individuais e coletivos. Somente dessa maneira poderemos construir uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática.

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